DA RIBALTA INTERNACIONAL AO DESASTRE NACIONAL

2023 é o ano em que João Lourenço escapou (até ver) da primeira tentativa de destituição levada a cabo pela UNITA contra um Presidente da República; as famílias angolanas viram-se abraço com um ano económico difícil, marcado com a perda acentuada nunca antes vista desde 1975 do poder de compra face à desvalorização da moeda nacional, kwanza, agravada com a subida dos preços de bens alimentares e serviços com o Executivo a aprovar medidas de redução do IVA sem efeito no mercado nacional.

Por Geraldo José Letras

No plano económico, 2023 fica marcado como um ano difícil, devido à desvalorização do kwanza e ao aumento do custo de vida para as famílias angolanas que se ressentiram e assistiram, sem quem lhes acudisse, à subida dos preços de bens alimentares e serviços nos mercados e superfícies comerciais.

Esses e outros factores levaram igualmente à consolidação do desgaste da popularidade do Presidente da República, João Lourenço, que desde a sua eleição para um segundo mandato até 2027, não goza da simpatia dos mais de 28 milhões de angolanos pobres, e de forma inédita na história da política angolana enfrentou uma tentativa de destituição levada a cabo pelo maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite, a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).

A pesar de, internamente, João Lourenço só receber apoio dos militantes do seu partido, o MPLA, contra a maioria esmagadora da população na linha da pobreza, 2023 representou para o Presidente da República um ano de projecção diplomática no mundo.

Líderes de vários países da lusofonia manifestaram vontade de estreitar e fortalecer os laços com Angola através de visitas a Luanda. Enquanto potências mundiais tentaram posicionar-se para ganhar ou manter influência no país rico em recursos minerais como o petróleo, diamantes e gás, oferecendo investimento em vários sectores. Assim se viu nos dias 13 e 24 de Janeiro com os ministros dos negócios estrangeiros da República Popular da China e da Federação Russa.

Enquanto Qin Gang veio fortalecer as cooperações económicas com Angola, Sergei Lavrov, chegou a Luanda para lembrar a João Lourenço o apoio da União Soviética ao MPLA durante a guerra civil que manteve contra a UNITA durante 30 anos, e persuadir o líder angolano que inicialmente se absteve na ONU de condenar a invasão russa na Ucrânia, acabando depois por votar contra a a tentativa (que continua) de anexação, e se colocar entre os países que apelam à Rússia para pôr fim ao conflito.

Em Março, seguiram-se a visita dos reis de Espanha, Felipe e Letícia, e do Presidente francês, Emmanuel Macron.

Preocupado com o interesse das principais potências mundiais, Portugal que se esforça em segurar a sua vantagem histórica face a parceiros muito mais poderosos economicamente, enviou uma delegação de alto nível que incluiu o agora cessante primeiro-ministro, António Costa, e três ministros do seu Governo, a culminar num anúncio de reforço da linha de crédito e a assinatura de mais de uma dezena de acordos de cooperação.

No segundo semestre os interesses por Angola começaram a surgir da América do Sul, passando por Luanda quase na mesma altura os velhos aliados cubanos, na figura de Miguel Díaz-Canel, e brasileiros, com a mais alta figura política daquela nação, o Presidente Lula da Silva que, além de observar com preocupação a perda do poder de questionamento e pressão contra o Executivo de João Lourenço, prometeu mais cooperação e investimento.

Com interesse no Corredor do Lobito, um dos mais estratégicos projectos de Angola em termos de transportes com influência na região da SADC, bem como nas energias renováveis, Joe Biden, convocou no dia 30 de Novembro, João Lourenço para um encontro em Washington DC, que, para analistas políticos demonstrou igualmente o desejo do líder dos Estados Unidos da América (EUA) interferir directamente na política interna angolana.

De lembrar que a visita de João Lourenço foi antecedida da vinda a Luanda em Setembro do secretário da Defesa dos Estados Unidos da América (EUA), Lloyed Austin.

No entanto, se Angola sobressaiu no plano internacional cativando visitantes ilustres dos vários quadrantes, no plano económico as políticas seguidas pelo executivo de Lourenço foram incapazes de travar a queda do kwanza, que desvalorizou quase 40%, e a subida dos preços dos produtos alimentares, importados na sua maioria.

Para a derrapagem da inflação, cuja meta inicial era ficar entre 8 e 11%, em Outubro se aproximava já dos 17%, agravado também com a retirada gradual dos subsídios aos combustíveis medida fortemente impopular e que a má comunicação da equipa governativa contribuiu para gerar ainda mais descontentamento, como ficou registado na província do Huambo, com protestos a terminar de forma violenta com pelo menos cinco mortes de motoqueiros em confrontos com a polícia, manchando a imagem de Angola que o executivo se tem esforçado por apresentar como um Estado democrático e de direito, atractivo para o investimento.

João Lourenço enfrentou este ano o primeiro pedido de destituição de um Presidente da República, uma iniciativa política da UNITA (maior partido da oposição) sem grandes hipóteses de sucesso, tendo em conta a maioria parlamentar do MPLA, mas que marcou a agenda política do mês de Outubro na Assembleia Nacional.

As imagens divulgadas nas redes sociais – já que o Parlamento invocou falta de condições para a não-transmissão televisiva da plenária onde a UNITA quis discutir a moção – mostraram deputados irados, aos gritos de “vergonha… vergonha”, depois dos colegas da bancada maioritária rejeitarem a criação de uma comissão eventual para discutir o processo de acusação e destituição.

No tradicional discurso sobre o Estado da Nação, dois dias depois, o Presidente angolano insistiu numa dissertação de várias horas e muitas páginas, elencando obra feita, incluindo no campo da justiça e combate à corrupção, destacando a recuperação de activos.

No entanto, Angola continua sem conseguir levar a tribunal Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano e mentor pessoal da escolha de João Lourenço para liderar o país, alvo de processos judiciais em vários países, enquanto do processo de alegada corrupção do antigo patrão da Sonangol e ex-vice-presidente da República, Manuel Vicente, não mais se ouviu falar.

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